21/08/2025

STJ livra B3 de indenizar milhões de reais a investidores

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) livrou a B3 de indenizar investidores que
arcaram com prejuízo após a liquidação de corretora de valores. A 3ª Turma
entendeu que, se a bolsa de valores não foi negligente em seu dever de
fiscalização, não pode ser responsabilizada. Essa é a primeira decisão do
STJ sobre o tema envolvendo a B3, segundo especialistas.
Os ministros reverteram uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR)
que obrigava a B3 a indenizar uma empresa e um investidor por prejuízos de
quase R$ 2 milhões sofridos após a decretação de liquidação extrajudicial da
corretora usada pela empresa para “day trade” - negociação de ativos
financeiros ao longo do dia.
A corretora foi alvo de três processos administrativos na B3. Após as
investigações, foram emitidas advertências e multas, tanto para a corretora
quanto para seus dirigentes. Além disso, os processos foram divulgados no site
da bolsa.
Essas medidas, no entanto, não inibiram atividades irregulares da corretora, que
acabou tendo sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central em
outubro de 2018. Atuando na defesa dos investidores, o advogado Eroulths
Cortiano Jr, do escritório Cortiano & Paranaguá Cunha Advogados,
argumentou que, mesmo após a decretação de liquidação, a B3 manteve o nome
da corretora na lista de empresas aptas para prestação de serviços até janeiro de
2019.
Em primeira instância, a sentença foi favorável à B3. A 19ª Câmara Cível do
TJPR, no entanto, entendeu que houve omissão em seu dever de fiscalização.
Condenou a operadora da bolsa a indenizar os investidores pelos danos
sofridos. O tribunal, no entanto, entendeu que, como os investidores não
usaram o mecanismo de ressarcimento de prejuízos oferecido pela B3, que
restituiria perdas de até R$ 120 mil, esse valor deveria ser abatido do montante
total devido. O acórdão também negou um pedido de indenização por danos
morais.
No STJ, os ministros acompanharam, por unanimidade, o entendimento da
relatora, Nancy Andrighi. Para ela, a B3 não se omitiu sobre o dever de
fiscalização. Ela afirmou que, conforme a jurisprudência do STJ, a relação entre
a bolsa e os investidores não é de consumo, e, portanto, é regida pelo Código
Civil e pela Lei nº 6.385, de 1976, que regulou o mercado financeiro e criou a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O parágrafo 1º do artigo 17 dessa lei impõe à bolsa o dever de fiscalizar os
participantes nos mercados por ela administrados, destacou a ministra. Assim,
a responsabilização da B3 pelos prejuízos sofridos pelos investidores “depende
sempre da demonstração de negligência no seu dever de fiscalização previsto
em lei”. Segundo ela, no entanto, isso não aconteceu no caso analisado.
“Embora a bolsa de valores tenha permitido que a corretora continuasse
operando no mercado até o momento de decretação da sua liquidação
extrajudicial, não ficou demonstrada negligência no seu dever de fiscalização,
tendo em vista que promoveu três processos administrativos, aplicou sanções
de advertência e multa e disponibilizou o processo em seu site”, destacou (REsp
2157955).
Trata-se do primeiro precedente do STJ envolvendo a B3. Houve um processo
anterior, de 2008, que tinha como parte a Bolsa de Valores do Extremo Sul, de
Porto Alegre, hoje extinta. Nele, a 1ª Turma decidiu que “não há nexo de
causalidade entre a alegada conduta fiscalizatória do Banco Central e da Bolsa
de Valores e o dano sofrido pelo recorrente” ao negar indenização a
investidores após a liquidação extrajudicial de uma outra corretora (REsp
647552).
Segundo Tiago Faganello, do escritório CMT Advogados, que defendeu a B3
no processo, o mercado financeiro tem complexidades que foram respeitadas
pelo STJ. “Se o pedido do investidor fosse aceito, a bolsa passaria a ser
interpretada como seguradora universal de quebras de corretoras. Isso
impactaria o mercado de capitais, pois, sabendo que no fim do processo a B3
poderia arcar com a indenização, as corretoras poderiam adotar parâmetros
insuficientes de compliance e accountability", afirma.
Esse cenário, acrescenta o advogado, aumentaria o custo das transações no
mercado de capitais e ameaçaria o desenho institucional de regulação do setor
que, além da B3, é composto também por CVM e Banco Central.
Bruno Batista, sócio da Innocenti Advogados, destaca que, embora a
delimitação das competências tenha acabado com uma via de ressarcimento
para o investidor, ele não vai ficar totalmente desassistido. “O risco aumenta,
mas o investidor ainda pode ingressar com ações indenizatórias contra a própria
corretora ou seus administradores, ou acionar a proteção do MRP. Essa
proteção é limitada a falhas operacionais e eventualmente insuficiente para
cobrir integralmente o risco assumido pelo investidor”, diz.
A situação demonstra que, ao assumir o risco das transações, cabe ao investidor
acompanhar a situação das corretoras, acrescenta o advogado. Marcio Alabarce,
sócio do Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados, segue pelo mesmo
caminho ao elogiar a decisão do STJ por “reconhecer investidores como
participantes do mercado, e não como consumidores hipossuficientes”.
Por outro lado, havia particularidades no caso que não foram analisadas pelo
STJ, segundo Eroulths Cortiano Junior, que defendeu os investidores. Ele
ressalta que como a Corte “reconheceu a existência da competência
fiscalizatória da B3”, a bolsa de valores pode ser responsabilizada em caso de
descumprimento ou falha nessa fiscalização. “Esperamos que isso contribua
para a melhoria do sistema, inclusive em prol dos investidores e usuários”,
afirma. A defesa acrescentou que aguardará a publicação do acórdão para
decidir se recorrerá.
Ao Valor, a B3 informou que não comentaria o caso. Já a corretora foi
procurada e não deu retorno até o fechamento da edição.